Advogado belmontense escreve artigo sobre os disparos no fórum de São José do Belmonte



 OS DISPAROS NO FÓRUM DE BELMONTE - O MOTIVO – E O RIGOR DA LEI CONTRA CRISTIANO.


Por: Romero Leite De Araújo.


Caro leitor, com a finalidade de discutir a desproporção quanto a prestabilidade da Justiça em relação a aplicabilidade da lei, atrevi-me a publicar esse escrito exclusivamente sobre a tentativa de vingança ocorrida no Fórum de São José do Belmonte, PE. Um acontecimento de notoriedade nacional, tendo como autor Cristiano e, como vítima da tentativa e não do homicídio propriamente dito - o assassino do seu pai. O cerne da questão gira em torno do modo como a Justiça entendeu um e outro caso, sobre a importância da vida e sobre a relevância do local onde ambos os crimes foram praticados. Quando digo ambos os crimes, refiro-me ao motivo, e, ao questionar a relevância sobre o local, refiro-me a maneira como se deu a aplicabilidade da Lei nos casos em concreto, já que em relação ao - homicídio consumado - que foi cometido em um roçado, a Justiça concedeu ao seu autor o direito de responder em liberdade, revogando a prisão preventiva, enquanto que em relação a Cristiano, por ter disparado dentro do Fórum contra aquele que matou seu pai, a Justiça o mantém encarcerado, negando-lhe o mesmo direito concedido ao outro, ancorada em uma falsa justificativa de periculosidade que sabe ser inexistente.

Deixo claro que o texto reflete a minha opinião como cidadão sujeito aos mesmos dissabores da vida e, por conseguinte, sujeito aos mesmos entendimentos diferenciados da Justiça, o que me leva a ficar entre o crer ou não crer no que meu saudoso avô, Vicente Sérgio, me dizia: “Romero, escute só, na justiça dos homens existem dois pesos e duas medidas!” Por esse motivo, deixo de adentrar ao mérito do que é certo ou errado, também não faço aqui qualquer apologia aos crimes de vingança. A Escritura Sagrada, em poucas palavras, nos indica o melhor caminho: “busque a paz se siga-a!” No entanto, assustam-me os tratamentos diferenciados da Justiça no caso em questão, cabendo a você discordar de tudo que escrevo, seu direito à opinião, caro leitor, é constitucionalmente garantido, o que lhe é vedado é o anonimato. 

Pois bem. CRISTIANO, nasceu nos confins do mais árduo Sertão Pernambucano, mais exatamente no Sítio Currais, nos limites dos Estados da Paraíba com Pernambuco. E não é de espantar que, como todo menino pobre desse país, tenha nascido condenado a ser asfixiado na escuridão da ignorância propositalmente arquitetada pela classe dominante, através de um projeto de subserviência subsidiado pelo próprio Estado Democrático de Direito, o qual agora, por mero capricho, mantém Cristiano encarcerado, sendo esse o propósito pelo qual vos convido à uma reflexão sobre a aplicabilidade da Lei quando vista de ângulos distintos, ou seja, para quem e contra quem se aplicam os rigores da Lei. 

O marco na vida de Cristiano não se resume ao dia do seu nascimento, mas, ao quinto dia do mês de outubro do ano de 2012, quando, pela manhã, ouviu pela última vez a voz do seu pai a lhe abençoar - “Deus te abençoe, meu filho”, respondeu-lhe o Sr. Francisco - o herói de Cristiano -, e ambos tomaram caminhos diferentes. O menino foi para a escola, o pai, para o roçado. 

Entretanto, não demorou muito para que se ouvissem na vizinhança estampidos de tiros, nada de anormal para quem mora na zona rural. Afinal, provavelmente alguém estivesse em busca de caça para o almoço, ou, quem sabe, defendendo-se de alguma onça-pintada que às vezes aparecia naquelas serras. Mas, infelizmente, não era o que se imaginava! 

Não, não era um caçador! Os tiros não eram contra um felino! Os tiros, meu Deus, eram contra um homem! Contra o Senhor Francisco que estava a derramar seu suor sob o sol escaldante daquele dia e, de repente, passou a derramar o sangue que até então lhe corria nas veias! Os tiros eram justamente contra o herói de Cristiano, silenciando-o para sempre e deixando marcas permanentes no peito e na memória do menino! O motivo do crime? Não passou de um ato cruel e covarde de alguém que há momentos antes havia saudado com um alegre “bom dia” a esposa e agora viúva da vítima. O motivo, caro leitor, resumiu-se à maldade de quem acabava de deixar seis crianças órfãs de pai, entre elas, Cristiano, sobre quem pesa até hoje, recordações indeléveis dessa brutalidade, acompanhada de uma sensação de impunidade fomentada pela própria Justiça que deu azo para tanto, ao conceder a liberdade ao assassino, que não era réu primário, que possuía maus antecedentes e havia sido preso em flagrante intentando fuga em outra cidade. Ainda assim, a Justiça não viu naquele que matou o pai de Cristiano nenhuma periculosidade, não viu nele qualquer indício de perigo à garantia da ordem pública ou à instrução criminal, e os anos passaram, como se passam agora, com o assassino em pleno gozo da sua liberdade!  

Somente após doze anos, vejam só a morosidade da Justiça! Somente após doze anos, a Justiça designou data para o Júri do réu, e, sob a decisão do corpo de sentença, duas opções estavam em jogo: absolvição ou condenação. Vencendo a primeira, o processo se extinguiria, vencendo a segunda, o criminoso continuaria a responder o processo, mas, em liberdade - simples assim, ou seja, de uma ou de outra forma, a liberdade estava chancelada, afinal, o Tribunal do Júri não admite empate! 

Acontece que Cristiano resolveu assistir ao julgamento do homem que matou seu pai, o que não poderia imaginar era que não suportaria ficar cara a cara com o assassino - melhor teria sido não ter ido! Estava armado, óbvio, e adentrou no Fórum portando a arma por falha do próprio Estado que não oferece nenhuma segurança. Entrou armado - repito -, mas não entrou atirando, não invadiu o Fórum; assistia ao julgamento como os demais, até não suportar a dor que lhe apertava o peito, tendo em vista que, as memórias do seu saudoso pai se faziam presentes, vivas em sua mente. O homem, outrora menino, que havia sobrevivido a todo drama da morte do pai sem que o Estado que agora o aprisiona, tenha lhe oferecido sequer um acompanhamento psicológico, naquele instante, passou a reviver todas as dores novamente! Vinham-lhe à mente, as lembranças de um abraço caloroso do seu herói, daquele sorriso, do assento à mesa, das histórias contadas antes de dormir. Finalmente, lhe sobrevieram as mais dolorosas de todas as lembranças: a memória viva de um corpo inerte e frio sendo retirado da sala de casa para o cemitério; o pranto; o clamor dos pequenos abraçados ao caixão do pai; o soar da terra ao tocar a urna; a volta para casa; o silêncio; na mesa, um lugar vazio. No quarto da despensa, em um canto, os instrumentos de trabalho do pai; mas -, o herói não estava mais ali! Você consegue imaginar, caro leitor, o tamanho da dor que afligia o peito do filho de seu Francisco? Essas lembranças vivas na memória, levaram Cristiano a disparar contra o assassino do seu pai ainda no Salão do Júri.

Mas, afinal, como a Justiça, que não viu justificativa para manter preso o autor do crime que ceifou a vida do seu Francisco, passou a vê Cristiano após a tentativa? Este, que diferentemente daquele, é réu primário, possui bons antecedentes, trabalho e residência fixos. Será que a Justiça lhe concedeu o mesmo benefício que favoreceu o autor da morte do seu pai? Infelizmente, afirmo-vos negativamente. NÃO!!

Para a Justiça, Cristiano tem sido considerado criminoso de alta periculosidade, classificado como alguém que causa temor ao povo Belmontense - não sei se você, caro leitor, se sente assim tão atemorizado como relata a Justiça, aliás, alguma vez, você ouviu falar sobre Cristiano, com exceção do dia da vingança da morte do seu pai? Acredite! Para a Justiça, Cristiano passou a representar um perigo à garantia da ordem pública! Acho até desnecessário dizer-vos que a Justiça negou a Cristiano todos os apelos para que pudesse responder ao processo em liberdade, refiro-me a Justiça como um todo, inclusive aos Tribunais. O fato é que a Justiça, sentiu-se menosprezada em razão dos disparos terem ocorrido dentro do Fórum, nas suas dependências.... Talvez se a tentativa estivesse ocorrido no roçado, onde foi morto o pai de Cristiano… Quem sabe?

Agindo assim, a Justiça deixa transparecer que o local do crime importa aos rigores da Lei. Já a vida…  A vida? Nem tanto!!!

São José do Belmonte - PE, 24 de outubro de 2024

Autor: Romero Leite de Araújo.

Advogado. OAB/PE - 53.886



Nota: O texto acima é de total responsabilidade do seu autor, representando unicamente sua opinião em relação a aplicabilidade da justiça no caso em concreto.

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