O domínio político da família Carvalho no município de São
José do Belmonte, que veio se construindo no final da última década do século
XIX, se materializou na prática no século posterior, ou seja, no ano de 1911,
com a ascensão ao poder e com a eleição do coronel José de Carvalho e Sá Moraes
para prefeito. Esse domínio foi alternado sucessivamente no decorrer dos anos
entre outras grandes lideranças da família: Joaquim Leonel Pires de Alencar,
Manoel Lucas de Barros e Hermes Primo de Carvalho. Dentre essas lideranças,
destaca-se com notoriedade o período do Sr. Manoel Lucas de Barros, que ficou
conhecido na historiografia local como a Era Né Lucas.
A Era Né Lucas foi o período da história municipal
belmontense que tem início em 1930, com o advento da Revolução que marcou o
final da República Velha, e vai até o ano de 1951. Todavia, foi no segundo
período da década de 1920 que se deu a construção do seu poder político e
social, tornando-se um homem influente na sociedade belmontense, pelo fato de
que como possuidor de muitas terras e muito gado, podia oferecer empregos e
prestar favores aos seus dependentes.
Os dados biográficos apontam que Manoel Lucas de Barros
nasceu na Fazenda Serrote (hoje município de Mirandiba) no dia 29 de fevereiro
de 1884, filho Joaquim Lucas de Barros e Ana Maria de Carvalho. Manoel Lucas casou-se
na Matriz de São José do Belmonte no dia 21 de setembro de 1907 com Maria Alves
de Carvalho (Mariinha), filha de Cipriano Gomes de Carvalho e Gertrudes Maria
de Carvalho, proprietários da Fazenda Jurema. Quando casou, Manoel Lucas se
estabeleceu na Fazenda Cavalo Morto até o ano de 1934, quando adquiriu por
compra ao Sr. Álvaro Magalhães, a Fazenda Nova, onde passou a residir com a sua
família.
Dona Mariinha morreu em 19 de novembro de 1936. Ao seu
enterro compareceram as mais altas autoridades da região. Foi uma perda
lamentável para Né Lucas sendo que
durante a sua viuvez, ele conseguiu o ápice do seu prestigio.
Figura de escol em sua época, dinâmico, conciliador, político
habilidoso, basta lembrar que foi da Fazenda Nova que em junho de 1959 saiu a
candidatura de João de Ciba (João Pereira de Menezes) para prefeito de
Belmonte. Influente no cenário regional, homem de grandes cabedais, caráter
íntegro, grande pecuarista e fazendeiro, Né Lucas ou Nezinho para familiares e
amigos, tomou posse no cargo de Prefeito de Belmonte por duas vezes em dois
períodos distintos: de 18/11/1925 à 14/11/1928, cujo vice-prefeito foi o Sr.
Tertuliano Donato de Moura; e de 10/11/1947 a 10/11/1951, cujo vice-prefeito
foi o Sr. Afitônio de Sá Feitoza.
O pai, Joaquim Lucas de Barros foi também Prefeito de
Belmonte no período de 10/08/1919 a 06/12/1920, tendo falecido em pleno
exercício do seu mandato.
Manoel Lucas de Barros foi nomeado, em 1910, Tenente do 356°
Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional do Município de Belmonte, tendo
exercido também com rigidez o cargo de
delegado de polícia local.
Chefe político de incontestável prestígio na região, usou da sua influência política para manter em
Belmonte a ordem pública, exigindo dos poderes constituídos, a representação
local do judiciário, da promotoria pública e de destacamento policial, tendo se
empenhado pessoalmente na perseguição ao cangaço que infestou a região na
década de 1920, notadamente no período em que assumiu a Prefeitura de Belmonte
(1925/1928). Foi nessa época que o Sr. Né Lucas começou a ganhar projeção nos
círculos governamentais do estado em decorrência do seu combate ao
cangaceirismo como também a Coluna Prestes. A bem da verdade, havia uma
constante troca de informações entre Né Lucas e o Governador Sérgio Loreto,
através de telegramas, sobre o rastro do capitão do cangaço, tendo Belmonte
recebido contínua ajuda estatal em armas e efetivo militar, revesados
periodicamente. O major Teófanes Ferraz Torres, o belmontense Sinhozinho
Alencar, quase sempre estavam de prontidão pelas redondezas.
Respeitado, visitado e ouvido por lideranças políticas
municipais e estaduais, amigo de governadores entre eles Sérgio Loreto,
Agamenon Magalhães, Barbosa Lima Sobrinho, Etelvino Lins, era ligado ao Partido
Social Democrático – PSD – e fiel aos ideais partidários, tinha ascendência
moral sobre os políticos da região, por mostrar seu comportamento retilíneo na
condução dos entendimentos eleitorais, nunca desfazendo um compromisso
assumido, mesmo que viesse depois a ser contrário aos interesses de seus
correligionários ou parentes. Nas proximidades dos pleitos, era comum o Sr.
Manoel Lucas montar o seu cavalo e ir de porta em porta concitar o seu numeroso
eleitorado ao comparecimento das urnas.
Quando prefeito ajudou intensamente no desenvolvimento do
distrito de Mirandiba, o que possibilitou tempos depois, a sua emancipação
política do Município de Belmonte.
Possuía grande presença de espírito, raciocínio rápido e uma
resposta na “ponta da língua” para cada situação. Era um homem determinado e de
coragem. Nunca deixou de cumprir o prometido. Tipo caracteristicamente bom, o
senso comum que nele era admirável, orientava-o sempre no sentido de resolver
tudo da melhor maneira mais acertada possível. Festeiro animado, sempre
encerrava as festas no Paço Municipal arrastando bem o seu francês na marcação
de quadrilhas: “alavantur”, “anarriê”, “balancê”, “trevessê”, “otrefoá”,
“sangê”, e quase sempre intercalando a marcação com o seu caraterístico “ai meu
pé”.
Em decorrência de uma promessa de Dona Mariinha, sua esposa,
mesmo depois que a mesma faleceu, anualmente acontecia na Fazenda Nova um “São
Gonçalo”. Para realização da tradição, Né Lucas convidava os devotos,
dançadores costumeiros da redondeza que conheciam muito bem a dança, bem como
parentes, amigos e vizinhos. A cidade de Belmonte em peso comparecia ao evento.
No entanto, para atender um número tão elevado de convidados, bois, bodes,
porcos e galinhas eram mortos. A fartura da “mesa” da tradicional Fazenda Nova
era conhecida em toda região. Muito queijo, coalhada, os potes abarrotados de
todos os tipos de doces e muito aluá eram servidos aos participantes da festa,
que depois da última roda dançada em louvor ao Santo de Amarante, voltavam para
as suas casas satisfeitos.
Na Fazenda Nova, tudo era motivo para comemoração, e quase
sempre as festas da fazenda eram encerradas com cavalhadas: dono do melhor
haras do município, os seus vaqueiros e cavaleiros disputavam prêmios e
ofereciam suas vitórias as jovens ali presentes. Outro grande motivo de festa
na fazenda era a chegada de sua filha Gertrudes do Colégio Sagrado Coração de
Caruaru onde estudava. Na ocasião Né Lucas mandava buscar na Várzea João
Damião, famoso tocador da redondeza para animar as danças, que varavam noite à
dentro.
Católico fervoroso era devoto de Nossa Senhora da Conceição,
São José e São Gonçalo, indo de vez em quando a missas e procissões. Foi amigo
de vários vigários que passaram por Belmonte, lembrados os padres, Monsenhor
Afonso Pequeno, Manoel Firmino Pinheiro, Joaquim de Alencar Peixoto, José
Kherle, Antônio Olavo, até o Padre Jesus Garcia Rianõ. Visitou algumas vezes o
Padre Cícero do Juazeiro de quem era muito amigo e ajudou na ordenação
sacerdotal de Dom Augusto Prudenciano de Carvalho, seu parente e futuro Bispo
da Diocese de Caruaru.
A figura do Sr. Manoel Lucas de Barros ocupa lugar de
indiscutível destaque nos anais da História do Município de São José do
Belmonte. Este senhor, figura lendária nas memórias dos antigos vaqueiros,
poetas e cantadores da ribeira belmontense, também foi eternizado, no ano de
1960, através de alguns versos de um folheto de cordel de autoria do vaqueiro
Cazuza Rufino, hoje com 90 anos de idade, e que diz assim:
O vaqueiro Manoel
Lucas
Nos tempos que
campeava
Nunca deixou boi correndo
Nem gado se
apadrinhava
Se não pegasse na
primeira
Da segunda não
escapava.
Bom vaqueiro e
fazendeiro
Na política é popular
Bem lícito com seus
deveres
E os que lhe
acompanhar
Conta com a proteção
Tendo razão ele dá.
Afinal em Belmonte
O chefe de lá é ele
Haja o que houver
Não tem este nem
aquele
Tem que haver
humilhação
E cumprir as ordens
dele.
Cercado dos filhos:
Luiza Lucas de Carvalho, Joaquim Lucas de Barros e Gertrudes Lucas de Carvalho,
de familiares, amigos e correligionários, padecendo de complicações na
próstata, Manoel Lucas de Barros, o eterno Né Lucas, faleceu no dia 4 de
fevereiro de 1960, com 76 anos de idade. Não tremeu nem chorou, nem na hora
final.
Valdir José Nogueira
de Moura
2 Comentários
Muito bom! Parabéns pela postagem. Bom conhecermos o passado.
ResponderExcluirIsso um livro
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