O cristão e a política

Pr. Silas Daniel Por Silas Daniel
 
Uma das verdades fundamentais sobre a política é a impossibilidade de alguém que escolheviver em sociedade ser considerado um ente absolutamente apolítico. Proclamar-se apolítico nessas condições é um equívoco conceitual, e por razões muito simples.

Se considerarmos a definição tradicional de apolítico – alguém que não tem interesse algum por política, chegando até mesmo a manifestar-lhe aversão –, constatamos facilmente que encerra em si uma irreparável contradição no momento em que é aplicada também para definir alguém que, apesar de apresentar-se e definir-se como totalmente desinteressado e avesso à política, não abdica de desenvolver a sua existência na polis ("cidade", em grego; daí advém o termo política), usufruindo dos benefícios dessa escolha e sofrendo os inconvenientes dela, e, assim, afetando e sendo afetado pela polis onde vive.

Ora, se vivo na polis, a minha própria atitude de não se envolver em questões políticas já é, em si, um ato político, isto é, uma atitude com inevitáveis consequências políticas, afetando a polisdireta ou indiretamente. E em segundo lugar, mesmo aqueles que não se engajam politicamente e nem se interessam por aspecto algum da política – na esperança de que, assim, ela não faça parte de suas vidas – são inescapavelmente afetados por ela a partir do momento que escolheram viver na polis. Nossa realidade econômica, por exemplo, é afetada por decisões políticas, ainda que alguns de nós, eventualmente, não estejamos nem um pouco interessados nessas questões. O crescimento absurdo dos gastos públicos, outro assunto de pouco interesse para muita gente, diminui drasticamente investimentos em áreas de interesse total da população, como segurança e saúde, além de aumentar a dívida pública do país, podendo provocar à frente uma crise econômica que afetará toda a população.

Como se vê, não faz o menor sentido um discurso apolítico quando se escolhe viver em sociedade. O verdadeiro apolítico é alienado da polis, e não na polis, pois minha alienação napolis também tem consequências políticas.

Se vivo na polis, tanto a minha ação como a minha omissão concorrem para um resultado político, favorecendo ou prejudicando uma conjuntura política.

Não obstante essas verdades, há muitos cristãos que, decepcionados com a política devido ao seu histórico repleto não apenas de casos positivos, mas também de incoerências e corrupção, insistem em conduzir-se na polis de forma pretensamente apolítica.

Aristóteles (384-322 a.C.) já asseverava em seu livro Política que a forma como agimos ou deixamos de agir como membros da polis afeta-a e, consequentemente, nos afeta. Daí decorre que devemos nos engajar pelo bem da polis, e isso significa cuidar do bem comum e exercermos vigilância sobre os rumos da sociedade como um todo, porque não há como isentar-se dessa responsabilidade sem consequências. Aliás, enfatizava o estagirista que a verdadeira política consistiria exatamente nesse engajamento positivo.

Platão (427-327 a.C.), bem antes de Aristóteles, também já dizia com razão: “Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam”. E ainda: “O castigo dos bons que não fazem política é serem governados pelos maus”. E como diria também o polêmico filósofo Karl Popper, e nesse ponto com acerto: “Não só a construção de instituições envolve importantes decisões pessoais, mas o funcionamento até mesmo das melhores instituições (como o sistema democrático de controles e equilíbrios) dependerá sempre, em considerável grau, das pessoas envolvidas. As instituições são como fortalezas: devem ser bem ideadas e guarnecidas de homens” (POPPER, Karl; A Sociedade Aberta e seus Inimigos, Tomo 1).

Portanto, para o bem da sociedade, cada um deve assumir suas responsabilidades como cidadão, procurando lidar coerentemente com as questões políticas de seu tempo e envolver-se em suas resoluções dentro do que lhes for possível. E como cristãos que somos, isso deve ser feito, obviamente, à luz dos princípios bíblicos, que norteiam não apenas nossa fé, mas também nossa prática – que, por sua vez, deve manifestar-se como consequência natural da nossa fé, como resultado lógico e prático daquilo que cremos.

Sendo assim, urge sabermos o que a Bíblia diz especificamente sobre questões políticas. Que princípios podemos encontrar no texto bíblico que nos trazem orientação quanto à responsabilidade do cristão em relação a polis em que vive?

Há, pelo menos, 10 princípios, a partir das Sagradas Escrituras, que devem nortear a compreensão cristã sobre a política:

1) A necessidade de governo e a responsabilidade sociopolítica do ser humano, asseveradas pela Doutrina Bíblica da Criação e a Antropologia Bíblica.

2) O direito natural, corroborado no texto sagrado, como implicação de um pacto social e fonte dos direitos humanos.

3) Os princípios bíblicos da (a) autoridade como sendo constituída por Deus, (b) da sua missão para a sociedade, (c) do respeito que deve se dar a ela e (d) da obrigação de orarmos por ela.

4) O que a Bíblia diz sobre a autoridade do governo em cobrar impostos e sobre a prática dos impostos em si.

5) A importância da separação entre Igreja e Estado, asseverada pela Bíblia, e o que isso significa; e o princípio da separação dos poderes.

6) A desobediência civil como uma possibilidade em casos específicos, mas nunca a ser exercida de forma violenta.

7) A necessidade de se comportar eticamente e de lutar por leis justas e por um sistema social justo, o que não deve ser confundido com o popular conceito socialista de “justiça social”.

8) A questão específica das liberdades de religião, expressão e imprensa.

9) A responsabilidade cristã de ser "sal da terra" e "luz do mundo" em todas as áreas de sua manifestação na sociedade.

10) A possibilidade da influência dos valores cristãos sobre o governo.

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